«Cavaco Silva deu a primeira entrevista depois de ter assumido as responsabilidades de Presidente da República para que foi eleito por sufrágio directo e universal. Os que não desistem de discutir política e os interesses nacionais numa lógica clubista perceberam logo que Cavaco Silva se filiou no PS, como é óbvio. Não me admira nada que o tenham visto a sair da sede do PS, no Largo do Rato, onde esteve, como é óbvio, a preparar a entrevista que deu à SIC. Imaginem só que o Presidente da República, que em tempos dirigiu o PSD e foi primeiro-ministro de governos PSD, vai à televisão dizer que “até este momento não houve nem forte nem leve dessintonia com o Governo”.
Mais grave, afirma ao País que “este Governo revela um espírito reformista”, que “há sinais positivos na economia portuguesa”, que “o País vai na direcção certa”, que “deixar tudo na mesma seria pior ainda”, que “o esforço que está a ser exigido pelo Governo é para proteger o futuro dos portugueses”, que “a lei das Finanças Regionais é inteiramente justificada”. Como é óbvio, passa-se qualquer coisa de errado. Mas então o estadista, o professor de Economia, o político, o ex-primeiro-ministro vai aos ecrãs da televisão para explicar ao País que o Governo de Sócrates está a governar bem, está a ser corajoso, está a defender os interesses nacionais e que não há alternativa a este rumo? Mas então o homem bom, sério, austero, inteligente que militou no PSD pede, ainda que indirectamente, que os funcionários públicos, os professores, os agentes do Serviço Nacional de Saúde, os militares reflictam na situação e evitem a instabilidade?
Cavaco Silva fez um pacto secreto com Sócrates para ‘lixar’ o País?
Cavaco Silva participa num ‘complô’ para enganar os portugueses?
Cavaco Silva não sabe do que fala quando diz que vamos no caminho certo e que as reformas são indispensáveis?
Como é óbvio, Cavaco Silva está de má-fé e não sabe do que fala!!!
Sócrates não sabe, Cavaco também não, figuras gradas de todas as sensibilidades políticas e com as mais variadas formações académicas, que têm vindo a público explicar o estado da Nação, como é óbvio, também não sabem e fazem parte da conspiração maldosa...
Quem sabe mesmo da poda, como é óbvio, é a UGT e a CGTP, que organizam manifestações e greves em catadupa em vez de negociar uma plataforma que aceite agora sacrifícios para colher depois justos benefícios.»
Emídio Rangel
In: Correio da Manhã